Wednesday, June 21, 2006

[DESERTIFICAÇÃO – DESTINO OU OPÇÃO?]

Para muitos a desertificação do interior de Portugal é um destino ao qual é impossível fugir, porque entendem que pouco há a fazer atenta a concorrência do litoral e as oportunidades que este oferece.
Eu não entendo que assim seja, havendo neste aspecto possibilidades efectivas para lutar contra esse “destino” alterando-o, basta que quem governa a nível nacional e local assim o queira.
Os últimos dados sobre a população do nosso concelho de Seia mostram uma redução dessa mesma população, mostrando também que daqui a uns 25 a 30 anos seremos pouco mais de metade daqueles que somos hoje.
Tais resultados são uma previsão, se a tendência continuar a mesma que tem sido até aqui.
Ora é aí que nós podemos actuar, e quando digo NÓS, digo os que aqui vivem, os que governam o concelho e os que, sendo naturais de cá, se candidatam a cargos de deputados por via dessa naturalidade e são eleitos, ou ainda os que chegam a ministro.
Eu, quase a chegar aos trinta, quando acabei a faculdade, em 1999, não tinha nenhuma ideia de voltar para Seia. Pensava, como pensam os jovens deste concelho que vão estudar para fora, que aqui não havia oportunidades. Por circunstâncias da vida acabei por me estabelecer em Seia e cá vivo e vou viver, sendo certo que nunca podemos prever a nossa vida de forma definitiva.
Contudo, aquilo que eu pensava na altura, a falta de oportunidades no concelho, também pensavam muitos outros jovens nessa altura e ainda pensam hoje o mesmo muitos outros.
Se se fizer um inquérito aos jovens deste concelho, os que cá vivem e os que vão estudar fora, seguramente que a maioria não pretende ficar cá a viver.
Essa opção de não ficar, ou não voltar, ao concelho enraíza-se em muitos factores.
Em primeiro lugar, a oferta de emprego é escassa. Actualmente há cerca de dois mil desempregados no concelho de Seia e pouca oferta de emprego, sendo a maioria da oferta para emprego não qualificado.
Uma prova disso mesmo são empresas que, para poderem ter um quadro técnico de qualidade se vêem obrigadas a deslocalizar o seu centro de negócio para outras cidades, a fim de cativar esses mesmos quadros.
Em segundo lugar, a somar isso, as empresas não querem vir para Seia. As que cá havia foram indo embora ou falindo, restando apenas uma única grande empregadora privada, a ARA. Vamos esperar que também não se vá embora.
Em terceiro lugar, as empresas não vêm, entre outros factores, porque não há acessibilidades. Ora, se não as há é porque o Governo as não constrói.
Em quarto lugar, a compra de casa no concelho é muito cara, quando comparada com outros concelhos de igual dimensão e mesmo com alguns maiores. Tal facto deve-se às elevadíssimas taxas de loteamento cobradas pela Câmara e que encarecem o preço dos apartamentos ou vivendas.
Em quinto lugar, se não quiserem comprar, preferindo construir, vêem-se confrontados elevadíssimas taxas de licenciamento e depois, ao longo dos anos, com elevadas taxas de IMI (antiga contribuição autárquica), praticando-se no concelho de Seia a taxa mais alta prevista na lei, a de 0,8%, quando a maioria já baixou para 0,6%.
Em sexto lugar
, os valores são de tal forma proibitivos que um jovem, ou um casal de jovens, em início de vida, com emprego há pouco tempo, não tem quase hipótese nenhuma de obter empréstimo bancário, ou porque os seus rendimentos não permitem que o banco lhes empreste, ou porque a prestação mensal é incomportável, à qual há que associar os constantes aumentos das taxas de juro.
Em sétimo lugar, a oferta para além dos eventos do fim-de-semana, é pouca e quem quer da vida um pouco mais que só trabalhar, não tem onde. Um exemplo disso, e da falta de gente no concelho, é o cinema funcionar só ao fim de semana, porque durante a semana estaria vazio. Ele não abre durante a semana porque não há público, e esse público não existe porque há cada vez menos pessoas no nosso concelho.
Tendo tido Seia um Ministro da Economia e das Finanças, portanto, um ministro com grande poder, nos governos de Guterres, seria de esperar que tal tivesse sido feito, mas não foi. Esse mesmo ministro, agora dirigente de uma grande empresa espanhola, disse numa Assembleia Municipal, e isso veio na imprensa, que as fábricas que essa empresa vai construir na Guarda vão para lá porque eles têm boas acessibilidades. Ora, para bom entendedor, meia palavra basta. Tudo gira à volta do mesmo.
Se quem é de cá e está no governo puxasse pelo concelho, como fez Guterres com o Fundão e Sócrates com a Covilhã, poderíamos estar bem melhor.
Se assim tivesse sido, teríamos melhores acessibilidades e, em consequência, maior atractividade para empresas.
Se quem governa a Câmara baixasse as taxas de loteamento, o custo dos apartamentos e vivendas baixava para os construtores e, em consequência, o preço de venda baixava também.
Se quem governa a Câmara baixasse a taxa do IMI (antiga contribuição) o custo desse imposto pesava menos nas contas das pessoas, pois hoje em dia, os valores cobrados a este nível já influencia que se compre casa num ou noutro concelho.
Se todos estes esforços fossem feitos de forma ordenada, seguramente haveria mais compras de casa por naturais do concelho ou por pessoas que aqui optassem viver, haveria maior atractação de empresas e por isso, maior criação de emprego, haveria mais oportunidades para os jovens, os de cá e outros que para cá viessem e, assim, combater-se-ia o fatalismo da desertificação.
Por tudo isso eu acho que a desertificação não é um destino, é a consequência de opções de quem governa que prejudicam quem aqui deseja viver, mas não pode.
Está nas nossas mãos lutar por um futuro melhor.
Resta perguntar: Será que ainda vamos a tempo?
Nuno Almeida
Texto publicado no Jornal "A Partilha".

2 comments:

Romeu said...

Excelente reflexão. Pelos vistos não está nas nossas mãos, mas nas deles, como sempre. Lutar não chega. Como não nos escutam, cumpre-se o ditado "Quem está mal...muda-se"...e assim vamos ao encontro das estatísticas e previsões para daqui a 25/30 anos. Já estou a contribuir.

LS said...

Compet-nos a todos cada um nos seus locais de trabalho e na sua terra contribuir para o combate à desertificação. É claro que os municipios têm de contribuir para criarem condições que consigam atraiar investimento externo e até pessoas a residir cá no concelho de Seia neste caso, mas não podemos estar sempre a "malhar" no mesmo centeio. Todos temos direitos e deveres. abraços