Quando se deu à imprensa o prato cheio do caso Esmeralda, não faltaram pseudo entendidos, que não entendem de nada, advogando a superioridade dos pais do coração, à do pai biológico.
Em debate na Sic notícias, no programa quadratura do circulo, foi fácil ver Jorge Coelho, qual jurista, psicólogo e assistente social encarnado na pele daquele politico, a dizer que para ele as leis pouco interessavam, o que interessava é que a criança devia ficar com os pais do coração.
Avisadamente Pacheco Pereiro alertou para a perniciosidade do critério. Na verdade, o critério do coração, levado ao limite, poderia permitir que um(a) raptor(a), por ter criado, com carinho, afecto e todos os cuidados, uma criança que previamente havia raptado, pudesse com ela ficar, por ser traumatizante a retirada dela ao (à) raptor(a) de forma rápida.
Com espanto, assisti ontem ao um entendido em psicologia, num canal de televisão, a defender isso mesmo, ou seja, que a criança raptada não poderia ser retirada à raptora, ou à sua família, de forma brusca, porque se iria ressentir, e que a mesma deveria ser retirada de forma gradual, seja lá o que isso for.
No limite, quase que deveriam viver todos juntos, até a raptora ser alegremente condenado e enclausurada numa cadeia pelo crime supostamente cometido.
De certo que agora, todos os que advogam a tese do coração, ficaram igualmente chocados ao perceber que a família biológica da criança raptada é uma família desestruturada, com um pai desempregado, uma mãe com pouco trabalho, e que ela vai viver numa casa com pelo menos quatro irmãos e irmãs, porque os outros já foram retirados à família por falta de condições para serem por ela criados, casa essa com muito poucas condições de habitabilidade, pelo que foi possível ver pela televisão. De certo que esta criança, possivelmente vai ter o mesmo destino, entregue a uma família de acolhimento e a um centro de acolhimento de crianças.
Os casos, apesar das idades, são semelhantes, e o critério não pode ser a diferença de idade, para se verificar a existência de crime. Na verdade, tão criminosa foi a actuação do sargento Luís Gomes e esposa como foi da raptora de Penafiel. Se houve sequestro ou subtracção de menor, isso já uma questão diferente. Agora que aparentemente houve crime, parece certo.
Estes casos são, assim, paradigmáticos na definição do que pode ou n ser um Estado de Direito, não podendo este ser criado através de regras, análises ou convicções subjectivas e sim através de leis gerais e abstractas, mesmo que elas, subjectivamente possam parecer injustas.
Se assim não for, corre-se o risco de tratar casos iguais como desiguais, e desiguais como iguais, violando um dos mais sagrados princípios desse mesmo Estado de Direito, ou seja, o princípio da igualdade.
Por isso, é que os casos destas duas crianças serão subjectivamente analisados de modos muito diferentes, mas objectivamente têm uma parecença incrível.